Um dos principais fotógrafos brasileiros do século XIX, dono de uma obra que se equipara à dos
maiores nomes da fotografia em todo o mundo, Marc Ferrez é o mais significativo
fotógrafo do período no acervo do Instituto Moreira Salles (IMS). Preservados
por seu neto, o pesquisador Gilberto Ferrez, os negativos de vidro e as
tiragens produzidas pelo próprio fotógrafo compõem a maior parte da Coleção
Gilberto Ferrez, reunião de 15 mil imagens que não tem rival entre os acervos
privados de fotografia brasileira do século XIX, adquirida pelo IMS em maio de
1998.
Mais
conhecido do grande público por suas paisagens – sobretudo as fotografias
panorâmicas da cidade do Rio de Janeiro e arredores, feitas com câmeras
especiais em negativos de grande formato, técnica praticada por poucos
fotógrafos do mundo e à qual ele dedicou toda a sua inventividade técnica –, o
Ferrez que emerge da coleção é um artista plural e inquieto. Como fotógrafo,
foi, ao sabor dos trabalhos que lhe eram encomendados, versátil nos temas. Como
pesquisador de técnicas e processos, num momento em que a fotografia passava
por acelerada evolução, perseguiu e desenvolveu projetos pioneiros.
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Entrada da Baía de Guanabara, 1885 - FERREZ, Marc. Arquivo: Brasiliana Fotográfica. Acesso: abril, 2015 Botafogo, Rio de Janeiro - Brasil |
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Vista Panorâmica de Laranjeiras, cerca de 1890 - FERREZ, Marc. Arquivo: Brasiliana Fotográfica. Acesso: abril, 2015 Rio de Janeiro - Brasil |
Ferrez
nasceu no Rio de Janeiro em 1843, sexto filho dos franceses Alexandrine e
Zépherin, escultor que chegara à cidade em 1817 e se integrara à Missão
Artística Francesa, participando da criação da Academia Imperial de
Belas-Artes. Órfão aos sete anos – quando o pai e a mãe, ao lado de escravos e
animais de sua propriedade, morreram em circunstâncias mal esclarecidas,
possivelmente envenenados por produtos químicos da fábrica de papel que haviam
montado anos antes –, o pequeno Marc foi morar em Paris com a família do
escultor e gravador de medalhas Joseph Eugène Dubois. Pouco se sabe desses anos
de formação, mas é razoável supor que o interesse pela fotografia tenha nascido
na capital francesa, pois ao retornar ao Brasil, no início dos anos 1860, Marc
Ferrez logo se estabeleceu como fotógrafo. Suas ligações com Paris – em
especial, nos primeiros anos de carreira, com a Société Française de
Photographie – seriam mantidas por toda a vida, por meio de intensa
correspondência e viagens frequentes, alimentando a ânsia de experimentação e
aprimoramento tecnológico que acabaria por torná-lo um mestre alinhado com a
vanguarda internacional do ofício e, mais tarde, um dos pioneiros na difusão da
nova arte do cinema em território nacional.
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Marc Ferrez aos 33 anos de idade. Autorretrato. Arquivo: Brasiliana Fotográfica. Acesso: abril, 2015 |
Estabelecido
por conta própria desde 1867, quando abriu no centro do Rio a Casa Marc Ferrez
& Cia., o jovem Ferrez não demorou a ver a carreira prosperar. Três anos
depois, foi contratado como fotógrafo pela marinha imperial e, para dar conta
da missão de fotografar um navio do convés de outro, inventou um equipamento
especial para contrabalançar o jogo das ondas, deixando o enquadramento sempre
em linha com o horizonte. Em 1873, ano de seu casamento com a francesa Marie
Lefebvre, um incêndio destruiu por completo a loja-oficina de Ferrez, inclusive
todas as chapas que acumulara no início da carreira. Uma viagem a Paris para
comprar novos equipamentos o pôs de volta na atividade profissional e, dois
anos depois, ele corria o país de norte a sul como fotógrafo da Comissão
Geológica e Geográfica do Império, chefiada pelo cientista canadense
naturalizado norte-americano Charles Frederick Hartt. Numa dessas expedições,
em 1875, fez na Bahia as primeiras fotos dos índios bororo.
Um
conjunto das fotografias feitas por Ferrez para a Comissão Geológica e
Geográfica do Império foi exibido em 1876, na Exposição Universal da
Filadélfia, nos Estados Unidos. No entanto, foi com um panorama do Rio, obtido
por meio da justaposição de quatro clichês, que ele conquistou naquele evento a
primeira medalha de ouro internacional. A glória não o deixou satisfeito: anos
mais tarde, já equipado para superar a fase da justaposição, Ferrez apontou
naquele trabalho “o defeito de não apresentar os objetos em seus verdadeiros
planos nem guardar a perspectiva em sua precisão matemática, sendo mui
sensíveis as aberrações que contém. Tais defeitos não se encontram no aparelho
que possuímos.” Referia-se à “câmera panorâmica de varredura”, que comprara em
1878 do engenheiro David Hunter Brandon, seu fabricante em Paris, projetada a
partir de uma patente de 1862 dos ingleses John R. Johnson e John A. Harrison.
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Avenida Beira Mar 1906 - FERREZ, Marc. Arquivo: Brasiliana Fotográfica. Acesso: abril, 2015 |
Em
1881, ano em que nasceu seu primeiro filho, Júlio, Ferrez ganhou o grande
prêmio da Exposição da Indústria Nacional por seu “aparelho panorâmico para
vistas fotográficas, inventado (sic) e construído por M. Brandon e aperfeiçoado
pelo fotógrafo”. Já um mestre na realização dos panoramas, Ferrez anunciou no
almanaque Laemmert de 1882 a venda de vistas panorâmicas de um metro e dez centímetros
em um único negativo.
Os
anos 1880 foram de trabalho intenso. Ferrez fotografou tribos indígenas em
Goiás e Mato Grosso, série à qual pertence o belíssimo retrato conhecido como
Menino índio; viajou por São Paulo e Minas Gerais a serviço da Estrada de Ferro
D. Pedro II; registrou a construção da Estrada de Ferro do Paraná, considerada
a mais ousada obra de engenharia do país, num álbum que foi incorporado à
coleção da Société de Géographie de Paris; e transformou a documentação
fotográfica das obras destinadas a melhorar o abastecimento de água no Rio de
Janeiro em oito álbuns, três deles presenteados em 1889 (ano da despedida do
Império) a d. Pedro II, que quatro anos antes o nomeara cavaleiro da Ordem da
Rosa. Em sua produção na última década do século XIX, destacam-se a
documentação dos estragos provocados em navios e instalações da marinha pela
Revolta da Armada e uma excelente série de tipos urbanos do Rio de Janeiro,
cada um representando um ofício (um exemplo famoso é a imagem dos meninos
jornaleiros, de 1899).
Paisagem do trabalho: jornaleiros e outros personagens sociais
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Jornaleiros, cerca de 1899 - FERREZ, Marc. Arquivo: Brasiliana Fotográfica. Acesso: abril, 2015 Rio de Janeiro - Brasil |
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Vassoureiro, cerca de 1899 - FERREZ, Marc. Arquivo: Brasiliana Fotográfica. Acesso: abril, 2015 Rio de Janeiro - Brasil |
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Vendedora de miudezas, cerca de 1899 - FERREZ, Marc. Arquivo: Brasiliana Fotográfica. Acesso: abril, 2015 Rio de Janeiro - Brasil |
O
século XX encontrou Ferrez consagrado como fotógrafo e empresário, com
atividades que iam do comércio de equipamentos fotográficos à edição de livros
e postais. Mesmo assim, permanecia disposto a tocar projetos ambiciosos nas
duas frentes. O monumental álbum Avenida Central: 8 de março de 1903-15 de
novembro de 1906 registrou a remodelação radical da principal artéria carioca
de então, promovida pelo prefeito Pereira Passos, com o rigor de contrapor
reproduções das plantas às fotografias das fachadas de cada edifício ali documentado.
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Lavagem de ouro em Minas Gerais, cerca de 1880 - FERREZ, Marc. Arquivo: Brasiliana Fotográfica. Acesso: abril, 2015 Minas Gerais - Brasil |
Como
empresário, Ferrez foi sócio do Cine Pathé, fundado em 1907, a terceira sala de
cinema da cidade, e ajudou a produzir, entre muitos outros títulos, aquele que
entraria na história como a primeira comédia do cinema brasileiro, Nhô
Anastácio chegou de viagem. Data dessa época sua curiosa reivindicação, junto
às autoridades alfandegárias, de igual tratamento fiscal para as películas de
filmes, então pesadamente taxadas, e o material fotográfico convencional, por
ser “evidente que as imagens cinematográficas são fotografias habituais”.
Ferrez fez-se ainda distribuidor exclusivo no Brasil dos produtos dos irmãos
Lumière, dos quais se tornara amigo, realizando experiências com fotos
coloridas em autocromo.
Após a morte de sua
mulher, em 1914, Marc Ferrez partiu no ano seguinte para uma temporada de cinco
anos em Paris, retornando ao Rio, doente, três anos antes de morrer.
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Rara foto - Interior de uma mina de ouro, cerca de 1888 - FERREZ, Marc. Arquivo: Brasiliana Fotográfica. Acesso: abril, 2015 Minas Gerais - Brasil |
Saiba mais:
Texto: Instituto Moreira Salles (IMS). Acesse: Instituto Moreira Salles IMS;
Brasilia fotográfica. Acesse: Brasilia Fotográfica.
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